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O Mundo visto pela janela de um trem
27 de Setembro, de 2021
Artigo
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By JOSÉ ROBERTO DE SOUZA DIAS
O Mundo visto pela janela de um trem

Há 20 anos assistimos, pela janela de um trem, o momento que o mundo mudou. Estávamos em viagem pela Europa e a composição  que nos levava  de Roma a Bologna diminuiu a velocidade e entrou na histórica Stazione Centrale, um terminal ferroviário, inaugurado em 1859,  no extremo norte daquela cidade.

A antiga estação, modernizada,  mantém o charme em sua confortável plataforma de embarque e a cada 50 metros monitores mantinham os passageiros atualizados.

No exato momento em que chegávamos, os monitores mostravam imagens de uma grave colisão aérea que da cabine de passageiros lembrava cenas de um filme de ação, aliás, até comentamos sobre essa hipótese.

Ao desembarcar começamos a perceber que algo estava acontecendo. Inicialmente não demos muita bola e nos dirigimos para o o setor de bagagens e  pela primeira vez sentimos uma mudança no comportamento dos italianos. O responsável por aquela seção exigiu nossos passaportes e revistou nossas mochilas antes de guardá-las, atitude que fugia ao comportamento ocorrido durante todo tempo que nos encontravamos na Europa. Perguntamos o que estava acontecendo e o funcionário, meio que assustado,  nos disse que o mundo estava em guerra.

Trocamos olhares e incrédulos com o que nos fora dito seguimos em busca de um hotel, como aliás estamos acostumados a fazer em nossas viagens. Como sempre, seguindo nosso protocolo pessoal, pouca bagagem, sem peso, sem malas e na medida do possível sem fazer o book de hotel. Gostamos de viver essa sensação de liberdade, aliás, coisa rara no mundo de hoje, tão conectado e impessoal, onde tudo está no google.

E assim fizemos, mas não contávamos com o imponderável e que viveríamos na Itália o momento de virada do Século XXI, exatamente aquele dia que passou a ser conhecido como Nine Eleven.

Dito e feito, não havia vagas nos hoteis ou, mais provável,  suspenderam-as momentaneamente,  pela incerteza do que estava acontecendo.

Voltamos para Stazione di Bologna Centrale para pegar nossas mochilas e seguir em frente, enquanto nos perguntávamos, será possivel que em um lapso de tempo, entre  Roma e Bolonha,  o mundo até então, sem ameaças expressivas, acabaria entrando em guerra?

Chegando de volta ao guarda volumes  encontramos o mesmo funcionário, agora mais tranquilo e atencioso, e quando soube de nossas dificuldades em conseguir um alojamento em Bolonha, nos deu uma dica fabulosa: Estação de águas minerais de “Porretta Terme”.

Seguimos em frente, pegamos o primeiro trem e em uma hora e dez minutos chegamos a estação de Porreta Terme, uma cidadezinha termal na região da Emília-Romanha, província de Bolonha, com cerca de 4.528 habitantes.

O hotel, antigo e confortável, estava praticamente lotado por hospedes, conhecedores das qualidades termais da região. Exaustos, fomos jantar e só, ao ligar a televisão e correr todos os canais do mundo é que ficamos sabendo que as cenas vistas pela janela do trem eram absolutamente verdadeiras e o mundo estava em ebulição.

Ficou para nós a impressão que em 2 horas e 12 minutos tudo mudou. Saímos de Roma em um mundo e chegamos a outro depois de percorrer 305 quilometros. Indescritível o que sentimos e o que ficou em nossa memória e de toda a humanidade.

Passados 20 anos dos atentados as Torres Gêmeas e ao Pentágono, pode-se afirmar, sem dúvida, que vivemos o momento de mudança entre dois séculos, e que alí estava o marco de um novo momento na História da humanidade.

O que interessa para este espaço jornalistico é identificar o que o Nine Eleven e a presença do terrorismo internacional representou para o transporte e a mobilidade. Ora, de súbito, as viagens passaram a representar um risco para a segurança. Era natural que as fronteiras passassem a ser militarmente guarnecidas, os passageiros e bagagens, severamente examinados e vigiados, as filas de embarque lentas e vários objetos de uso pessoal proibidos de transportar.

Ao longo dos últimos 20 anos o terror foi sendo vencido por ações diplomáticas e militares, respaldadas pelo repúdio das pessoas, e por avanços tecnológicos que tornaram o mundo um pouco mais seguro

Mas eis que, quando se navegava por águas mais tranquilas, a humanidade foi novamente sacudida pelo terror, agora sob a forma de um vírus que saiu  da China e rapidamente se espalhou pelo planeta.

O despreparo internacional foi significativo para lidar, rapidamente com o surgimento de um vírus desconhecido, altamente transmissível e letal. Gerou uma pandemia, espalhou o medo e, as autoridades perdidas e assustadas, inicialmente sem acesso às vacinas e ao tratamento precoce, passaram a recomendar que todos, indistintamente ficassem em casa.

Mas, o que a crise do vírus chinês significou para a mobilidade urbana e o transporte público?

Certamente colocou em cheque o modelo de transporte utilizado pela imensa maioria dos países, principalmente os mais pobres ou em vias de desenvolvimento. Nesses ambientes públicos praticamente quase não existiam formas para se evitar o contágio.

A única maneira encontrada era a de contar exclusivamente com os próprios usuários e concientizá-los da importância vital do uso correto das máscaras, do álcool gel, dos cuidados sanitários pessoais ao se transportar e de evitar os horários de picos.

Entretanto, as crises geram um ambiente de mudanças e estimulam a busca de novas soluções e é o que vemos hoje, 20 anos após os atentados às Torres Gêmeas e quase dois anos do início da pandemia do vírus chinês.

A boa notícia é que em resposta à crise novas  tecnologias podem sustentar um admirável mundo novo para a mobilidade e o transporte público. A Internet das Coisas - IoT na sigla inglesa - por exemplo,  permitir acesso a serviços mais dinâmicos, higiênicos e seguros, baseados na demanda e nas necessidades dos passageiros.

Assim, como afirma The Transport Network of Tomorrow, do Trapeze Group, “podemos sair desta situação difícil, mais fortes e resilientes do que antes e,  se 2020 nos ensinou alguma coisa, foi nos preparar para a ruptura”.

JOSÉ ROBERTO DE SOUZA DIAS

Doutor em Ciências Humanas e Mestre em História Econômica pela USP, criou e coordenou o Programa PARE do Ministério dos Transportes, foi Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – Denatran, Secretário-Executivo do Gerat da Casa Civil da Presidência da República, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais de
Florianópolis – Cesusc, Two Flags Post – Publisher & Editor-in-Chief.