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Pedestre e o game da vida diária
23 de Setembro, de 2022
Espaço Livre
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By Rodrigo Vargas de Souza
Pedestre e o game da vida diária

Recentemente, fui agraciado com uma daquelas belas coincidências que a vida nos presenteia volta e meia. Ao chegar no trabalho, fui escalado para acompanhar outros dois colegas em uma ação, na qual, através de uma parceria com uma universidade, foi criado um jogo eletrônico sobre educação para o trânsito. Na ocasião, alunos da rede municipal de ensino receberam o convite para visitarem o campus da universidade e testarem o jogo em questão.

“OK, RODRIGO. MAS QUAL FOI A COINCIDÊNCIA?!” – VOCÊ PODE ESTAR SE PERGUNTANDO.

Naquele dia amanhecera chovendo e, por esse motivo, não pude ir de bike para o trabalho, como de costume.

Enquanto caminhava na companhia de um velho guarda-chuva, me peguei calculando os próximos passos. E, entre um salto e outro em torno das poças que se formavam nas imperfeições do calçamento, me senti o próprio protagonista de um jogo de Campo Minado. Além, é óbvio, da atenção despendida com as lajotas soltas,  buracos e poças de lama, nos quais estamos passíveis de um escorregão e até mesmo um tombo.

Parecendo uma mistura bizarra de dançarino de balé com frevo, assim que terminei uma sequência de saltos tive que dar meia volta e seguir pela beirada da rua, pois uma poça de lama cobria completamente a calçada de uma praça. Foi quando percebi outro desafio iminente. Uma bela quantidade de água se encontrava empoçada alguns metros a frente. Apenas na espera de um pedestre desatento passar para ser lançada como um enorme tsunami sobre sua cabeça pelo primeiro veículo que passar sobre ela.

E ao pensar nessa cena, me imaginei novamente como um protagonista de um jogo, mas dessa vez surfando nos jogos de verão do Califórnia Games.

E mal a minha “onda” termina, já me vejo diante de uma nova fase desse game frenético da vida do pedestre. Porém, após toda a emoção, essa é uma fase de resistência e, sobretudo, paciência. Muita paciência (diga-se de passagem) é necessária para esperar até que uma alma caridosa resolva parar seu veículo. E dessa forma eu possa atravessar com segurança a faixa de pedestres.

Enquanto aguardo, lembro da minha sorte de poder, apesar de todos esses percalços, ir para o trabalho diariamente a pé. A grande maioria passa por desafios bem maiores e mais extensos. É o caso daqueles que dependem de transporte público para tais deslocamentos. Jogadores que, além de todos essas lutas, ainda se veem frequentemente como uma espécie de Sonic, correndo até a parada para não perderem seus ônibus. E que, depois do embarque, precisam se deslocar numa espécie de Pitfall pelos balaústres dos ônibus superlotados, desviando dos demais passageiros para conseguirem chegar até a porta de saída.

Mas logo me desperto dos meus devaneios por uma buzina. Ela me lembra que, nesse Jogo de Paciência, quem dá as cartas não é o pedestre.

É nesse exato momento que percebo estar diante do derradeiro desafio. A fase mais difícil e perigosa de todas, na qual se encontra o chefão do jogo. Em face da espera que parece não ter fim, tento uma jogada que, pode não ser a mais segura, mas certamente é a mais utilizada pela maioria dos jogadores. E como a galinha no jogo Freeway, me lanço em meio aos veículos tentando chegar ao lado oposto da via.

Segundo dados do OBSERVAMOB DA EPTC, das 72 mortes no trânsito ocorridas durante o ano de 2021 em Porto Alegre, 22 (mais de 30%) foram de pedestres, todos por atropelamento. E dessas 22 vítimas, 12 tinham mais de 60 anos (problema já mencionado em outro artigo).

Vale lembrar que, ainda que a vida de um pedestre em um grande centro urbano possa ser comparada a um grande desafio de videogame, após o game over nenhuma dessas 22 pessoas tinha vidas extras, password nem puderam dar um continue.

 

Rodrigo Vargas de Souza

Formado em Psicologia pela Unisinos, atua desde 2009 como Agente de Fiscalização de Trânsito e Transporte na EPTC, órgão Gestor do trânsito na cidade de Porto Alegre.