Todo mês de maio, vemos o país ser tomado por campanhas do Maio Amarelo, um movimento internacional de conscientização para a segurança no trânsito. Com slogans de impacto, caminhadas, panfletagens e ações midiáticas, a iniciativa busca chamar atenção para os altos índices de sinistros e mortes nas ruas e estradas brasileiras. A proposta é válida, necessária e, sem dúvida, ganha visibilidade. Mas também escancara uma contradição incômoda: por que seguimos apostando em ações isoladas e pontuais, enquanto negligenciamos a formação contínua e estrutural de novos cidadãos no trânsito?
Desde 1997, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) determina, no seu artigo 76, que a educação para o trânsito seja promovida de forma contínua, desde a educação infantil até o ensino médio. Ou seja, há mais de duas décadas existe uma base legal clara que obriga escolas a tratarem o trânsito como um conteúdo essencial à formação cidadã. Na prática, no entanto, essa determinação segue amplamente ignorada.
Segundo dados do INEP, o Brasil tem mais de 106 mil escolas de ensino fundamental, sendo cerca de 81 mil públicas, que atendem a quase 27 milhões de alunos. Apesar disso, estima-se que apenas 30% dessas escolas desenvolvam alguma ação educativa sobre trânsito — e muitas delas de maneira pontual ou superficial, como em datas comemorativas ou em parceria com órgãos locais de trânsito. Um número incompatível com a urgência do tema.
Tratar trânsito como algo episódico é ignorar que ele nos envolve diariamente — seja como pedestres, ciclistas, passageiros ou motoristas. É uma realidade cotidiana que, por isso mesmo, deveria estar presente com frequência no ambiente escolar. A lógica é simples: se o trânsito é uma das principais causas de mortes e lesões no país, por que ele não figura entre os temas prioritários da formação escolar?
Educar para o trânsito não é só ensinar placas ou regras. É formar valores como respeito, empatia e responsabilidade coletiva. Ao incluir esse tema desde a primeira infância, as crianças crescem entendendo o seu papel na convivência urbana. Aprendem a atravessar na faixa, a respeitar o sinal vermelho, a usar equipamentos de segurança e, acima de tudo, a se colocarem no lugar do outro.
Um dos principais entraves à educação para o trânsito nas escolas é a interpretação equivocada da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que, embora permita abordar o tema de forma transversal, acaba sendo usada como justificativa para não tratá-lo de forma estruturada. Soma-se a isso a falta de formação docente, ausência de materiais didáticos e a descontinuidade das políticas públicas, com projetos interrompidos a cada troca de gestão.
Por essas e outras, não me canso de dizer que que campanhas não bastam: precisamos de educação permanente.
O Maio Amarelo, assim como a Semana Nacional do Trânsito, tem seu valor. Ajuda a manter o tema em evidência e engaja setores da sociedade. Mas não pode ser substituto de uma política pública contínua, presente e efetiva nas escolas. A transformação cultural de que o Brasil precisa no trânsito começa nas salas de aula, não nas faixas de pedestres pintadas uma vez por ano.
A cada nova geração que cresce sem qualquer formação em trânsito, estamos empurrando para o futuro a repetição dos mesmos erros. Mais sinistros. Mais mortes. Mais famílias destruídas. E mais campanhas de impacto que, sozinhas, não bastam.
Presidente do MONATRAN - Movimento Nacional de Educação no Trânsito