É inaceitável que, em um país onde cerca de 30 mil pessoas perdem a vida todos os anos em acidentes de trânsito, bilhões de reais destinados especificamente à segurança viária estejam sendo sistematicamente subutilizados. O Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset), criado com a missão de financiar ações que salvam vidas, permanece amplamente negligenciado pelo poder público. A recente análise da Confederação Nacional do Transporte (CNT) não apenas confirma essa negligência, como revela o tamanho da tragédia orçamentária: de tudo que foi autorizado ao Funset entre 2005 e 2024, menos de 22% foi efetivamente investido no trânsito.
Essa é uma realidade inaceitável — e perigosa.
O que está em jogo aqui não são apenas números frios, mas vidas humanas. Menos investimento em sinalização e engenharia de tráfego se traduz em ruas mal desenhadas, cruzamentos perigosos e ausência de orientações básicas para motoristas e pedestres. A falta de campanhas educativas contribui para o comportamento imprudente de muitos condutores e para a vulnerabilidade dos mais frágeis no trânsito. É um efeito cascata, previsível e, o que é pior, evitável.
O Funset não sofre apenas com o contingenciamento crônico de seus recursos, uma prática que fere a própria finalidade do fundo. Ele também é alvo de tentativas recorrentes de desvio de função por parte de deputados e senadores: projetos de lei surgem a todo momento propondo o uso desses recursos para finalidades diversas, como o apoio a causas sociais que, embora legítimas e necessárias, não têm qualquer relação com a segurança viária. É como se, diante de um incêndio, desviássemos a água dos hidrantes para lavar calçadas. A boa intenção não compensa o erro estratégico.
A legislação é clara: o Funset foi criado para melhorar o trânsito brasileiro, ponto. Os recursos que o alimentam vêm diretamente das multas aplicadas a quem infringe leis de trânsito, ou seja, são verbas que deveriam voltar à sociedade em forma de prevenção, fiscalização, engenharia e educação. É, portanto, um ciclo de responsabilidade pública: quem erra no trânsito contribui para ações que evitem novos erros e, principalmente, novas tragédias.
Desviar ou reter esses recursos é quebrar esse ciclo — e condenar mais pessoas à morte nas estradas e ruas.
O cenário é ainda mais alarmante quando observamos a infraestrutura precária de muitas vias brasileiras, a ausência de fiscalização em áreas críticas e a baixa renovação da frota circulante, ainda repleta de veículos inseguros. Tudo isso poderia estar sendo mitigado com o uso pleno do Funset. Em vez disso, o fundo é tratado como um cofre acessório do orçamento geral, sendo drenado por interesses que ignoram a emergência real e constante representada pelo trânsito.
Não se trata aqui de ignorar outras necessidades sociais, mas de exigir coerência e respeito ao propósito de uma política pública que, se bem gerida, poderia estar salvando milhares de vidas todos os anos.
O Brasil precisa urgentemente encarar o trânsito como uma questão de saúde pública. E, para isso, é essencial garantir que os recursos disponíveis cheguem onde são mais necessários. O contingenciamento do Funset deve ser proibido, e qualquer tentativa de desvio de suas verbas deve ser combatida com firmeza.
Enquanto isso não acontecer, o país continuará falhando em sua missão mais básica: proteger a vida de seus cidadãos nas ruas e estradas.
É hora de parar de enxugar gelo e começar a investir onde realmente importa. O trânsito brasileiro pede socorro — e os recursos já existem. Basta vontade política para usá-los corretamente.
Presidente do MONATRAN - Movimento Nacional de Educação no Trânsito