Inspirada na clássica expressão “para inglês ver”, nascida lá nas épocas do Império (quando as autoridades brasileiras, fingindo que cediam às pressões da Inglaterra, tomaram providências de mentirinha para combater o tráfico de escravos africanos), a Grande Florianópolis prestigiou uma inauguração cheia de pompa e circunstância, discursos e narrativas “só para manezinho* ver”.
Depois de 12 anos de atraso, o Contorno Viário, que deveria ter sido entregue em 2012 pela concessionária que administra a BR 101 no trecho norte de Santa Catarina, foi “adotada” por meio mundo e contou com a presença até do presidente Luís Inácio Lula da Silva (em sua primeira viagem ao Estado desde o início do terceiro mandato) e também do ministro dos Transportes, Renan Filho.
Os benefícios óbvios para a mobilidade advindos da conclusão da obra de 50 quilômetros de extensão já estão sendo sentidos pela população da região, que ultrapassa a marca de um milhão de habitantes.
Os cerca de 18 mil caminhoneiros que deixaram de circular todos os dias na BR-101, entre os municípios Biguaçu e Palhoça, da região metropolitana, já economizam 50% do tempo da viagem no horário de pico e deixam de protagonizar acidentes diários na rodovia que atravessa as cidades.
Um benefício gigante para todos os envolvidos, mas que se trata apenas da concretização de uma obrigação legal da concessão concedida à Arteris Litoral Sul, que recebe os valores das três praças de pedágio no trecho administrado.
O Governo até poderia se gabar por ter concedido à concessão, mas não pela execução da obra em si. O discurso no palanque parecia até que a obra havia sido custeada pelos impostos da população e não como contrapartida pelo pedágio pago pelos usuários da via.
A cortesia usando chapéu alheio foi tão descarada que a própria Arteris Litoral Sul emitiu uma nota dizendo que “a execução do Contorno Viário da Grande Florianópolis era uma obrigação da concessionária, prevista no contrato de concessão firmado com o Governo Federal quando do leilão do ativo. Dessa forma, a rodovia foi construída com recursos privados, da concessionária. O investimento total da Arteris Litoral Sul na obra do Contorno Viário foi de R$3,9 bilhões. Para executar a obra, foram acessados financiamentos de diversas instituições financeiras, dentre elas, o BNDES”.
Enfim, finalmente, tivemos o Contorno Viário liberado para o trânsito, mas diversos desafios ainda seguem em aberto. Um deles é que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) recebeu mais 50 quilômetros para fiscalizar, mas não aumentou o seu efetivo e tampouco possui um posto para servir como base no Contorno.
Outra questão paira sobre os acessos à nova via que, neste momento, estão aquém da grandiosidade da estrutura. Gargalos na SC-281, em São José e o Morro dos Cavalos, em Palhoça, ainda são uma realidade dentro dessa nova perspectiva da mobilidade em toda a região. Além disso, tem os problemas também na BR-282 e o trecho que ficou espremido entre o novo traçado do Contorno Viário e a BR-101.
Dito isso, vamos continuar acompanhando de perto as cenas dos próximos capítulos!
*O termo "manezinho" é um gentílico popularmente usado para se referir aos nativos de Florianópolis, capital de Santa Catarina, Brasil. O termo pode ser usado para se referir a todos os florianopolitanos, mas também pode ser usado para se referir a filhos de pais naturais de Florianópolis ou a descendentes dos colonizadores portugueses açorianos que chegaram à ilha por volta de 1700.
Presidente do MONATRAN - Movimento Nacional de Educação no Trânsito