Há um momento do ano em que as estradas brasileiras assumem outro ritmo. Chegou dezembro e, com ele, a simples e poderosa vontade de respirar. Malas são preparadas, crianças contam os dias, e o cheiro de protetor solar parece anunciar que o verão está se aproximando. É quando milhões deixam suas rotinas e partem em busca de descanso, reencontros e horizonte aberto.
Antes, porém, de chegars ao mar, à serra, às festas de fim de ano ou às cidades históricas, há uma etapa que muitos tratam apenas como transição. Mas ela é parte essencial da experiência. O caminho.
Alguns dirigem como se nada existisse entre sair e chegar. Mas existe. Existe tempo. Existe vida. Existe escolha. E cada escolha ao volante carrega um peso que nem sempre medimos, mas sempre deixamos como legado.
O trânsito brasileiro não é feito apenas de veículos. É feito de histórias que viajam dentro deles. Famílias que cantam juntas. Casais que conversam olhando a paisagem. Caminhoneiros que percorrem as estradas como quem percorre a própria história de vida. Motociclistas que sentem o vento como companheiro. Pedestres que, em fração de segundos, confiam a própria existência a quem dirige.
Neste ponto, cabe uma pausa. Uma breve inspiração. E talvez um convite ao que é maior que nós:
“Ensina-nos a contar os nossos dias, para que alcancemos corações sábios.”
Salmo 90, versículo 12.
O sentido dessa palavra, aplicado ao trânsito, é claro. Dirigir não é dominar uma máquina. É reconhecer a fragilidade do outro e a responsabilidade que temos uns sobre os outros.
Durante a temporada de verão, nossas vias, muitas vezes saturadas e mal conservadas, recebem um volume intenso de veículos e visitantes. É quando falhas de planejamento, sinalização inadequada, ausência de manutenção e fiscalização insuficiente deixam de ser problemas técnicos e se tornam riscos reais. E aqui é preciso firmeza. Quando um país, um estado, um município convida, deve proteger. Quem administra, organiza ou é responsável por infraestruturas e rotas turísticas não pode agir com descaso. A omissão não é apenas falha administrativa. É negligência com vidas humanas.
Entretanto, nenhuma rodovia será segura se quem a utiliza não for. A segurança não está apenas nos mapas e nos órgãos de controle. Ela nasce no comportamento. Viajar exige presença. Exige consciência. Exige saber parar quando o cansaço chega. Exige compreender que o celular é distração e não companhia. Exige reconhecer que álcool e direção são absolutamente incompatíveis.
O deslocamento, tão frequentemente ignorado, pode ser um dos momentos mais belos da viagem. É no caminho que o corpo desacelera, que a mente se abre, que conversas esquecidas renascem e que silêncios ganham sentido. É nessa travessia que começamos, pouco a pouco, a largar o peso do ano e a permitir que o descanso nos alcance.
Viajar com responsabilidade não significa viajar com medo. Significa viajar com respeito. Respeito por quem vai ao nosso lado. Respeito por quem está na outra pista. Respeito pela vida que circula em cada curva da estrada.
Quando as vias chamarem nas próximas semanas, permita que a serenidade viaje com você. Considere o trajeto como parte do descanso. Afinal, as férias não começam quando chegamos ao destino, mas no instante em que decidimos como chegar.
Que cada motorista se lembre que suas mãos no volante não conduzem apenas um veículo, mas destinos, esperanças e futuros.
E que, ao final desta temporada, o Brasil celebre algo maior que o verão: celebre vidas preservadas, famílias completas e memórias felizes.
Porque nenhuma paisagem, por mais bela que seja, vale o vazio de alguém que não chegou.
Jornalista, Mtb 0083569 / SP/BR, Doutor em Ciências Humanas e Mestre em História Econômica pela USP, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis – Cesusc, Membro Titular da Academia Brasileira de História, Comendador da Veneranda Ordem dos Cavaleiros da Concórdia, foi Prof. Adj. Dr. da UFSC, criou e coordenou o Programa PARE do Ministério dos Transportes, ex-Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, Secretário-Executivo do GERAT da Casa Civil da Presidência da República, Conselheiro Consultivo do Movimento Nacional de Educação no Trânsito – MONATRAN e TWO FLAGS POST – Publisher & Editor-in-Chief.