Há um Brasil que se move - e outro que insiste em parar. As ruas das cidades brasileiras já não suportam o peso de tanta omissão, mediocridade e interesses cruzados. Há décadas, o transporte público no Brasil virou sinônimo de atraso, desconforto e, em muitos casos, de negócios suspeitos que financiam campanhas eleitorais, mantêm oligarquias locais e alimentam esquemas onde o passageiro é apenas um detalhe.
O caso recente do Texas, onde parlamentares tentam barrar investimentos em transporte público por trilhos, serve de alerta. Mas, ao contrário do que muitos imaginam, o problema deles não é tão distante do nosso. A resistência a soluções modernas de mobilidade, seja por ideologia, seja por pura miopia administrativa, também faz morada aqui. Em Florianópolis, por exemplo, continuamos reféns de um sistema baseado quase exclusivamente em ônibus, com linhas tortuosas, terminais saturados e uma frota que não acompanha as demandas da população.
Poderíamos ter transporte marítimo rápido? Poderíamos. Já foi estudado? Foi. Avançou? Não. Poderíamos ter modais sobre trilhos? Sim. Mas falta coragem política, visão de longo prazo e, sobretudo, independência dos poderes públicos em relação a grupos que lucram com o caos.
Enquanto o mundo olha para soluções integradas - combinando trens urbanos, VLTs, metrôs de superfície, transporte marítimo e até veículos autônomos de última geração - o Brasil continua patinando na lama de modelos falidos.
As soluções estão aí, visíveis em cidades como Vancouver, Copenhague, Singapura e Seul, que integraram mobilidade com desenvolvimento urbano inteligente. E não, isso não é luxo de países ricos. Bogotá e Medellín, na vizinha Colômbia, enfrentaram desafios semelhantes aos nossos e romperam o ciclo da incompetência com planejamento e ousadia.
Chegou a hora de debater transporte público não como um custo, mas como um investimento estratégico em desenvolvimento econômico, inclusão social e qualidade de vida. Transporte público eficiente atrai investimentos, dinamiza o comércio, reduz a desigualdade no acesso ao trabalho, à saúde e à educação, além de impactar diretamente nos índices de segurança no trânsito, um dos maiores flagelos brasileiros.
Não podemos permitir que a velha política continue decidindo como - e se - o cidadão pode se deslocar. Precisamos de um novo pacto pela mobilidade: transparente, eficiente, multimodal e tecnologicamente atualizado. Uma cidade que não garante transporte digno aos seus habitantes é uma cidade que escolhe o colapso.
As eleições de 2026 se aproximam. É o momento de exigir dos candidatos mais que promessas vagas. Perguntemos: qual o plano deles para o transporte público? Terão coragem de romper com o cartel do atraso? Ou continuarão vendendo soluções de século passado para problemas que já entraram no século XXI?
O futuro da mobilidade urbana no Brasil não pode mais ser adiado. Ou ousamos agora - ou continuaremos presos no congestionamento político, moral e asfáltico que nos paralisa todos os dias.
Jornalista, Mtb 0083569 / SP/BR, Doutor em Ciências Humanas e Mestre em História Econômica pela USP, Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis – Cesusc, Membro Titular da Academia Brasileira de História, Comendador da Veneranda Ordem dos Cavaleiros da Concórdia, foi Prof. Adj. Dr. da UFSC, criou e coordenou o Programa PARE do Ministério dos Transportes, ex-Diretor do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN, Secretário-Executivo do GERAT da Casa Civil da Presidência da República, Conselheiro Consultivo do Movimento Nacional de Educação no Trânsito – MONATRAN e TWO FLAGS POST – Publisher & Editor-in-Chief.