Por mais que tenhamos avançado em tecnologia, fiscalização e educação no trânsito, ainda falhamos onde mais importa: na forma como nos comunicamos. Um estudo recente revela uma realidade preocupante — palavrões, gestos ofensivos e agressões verbais tornaram-se parte do “vocabulário diário” de motoristas e pedestres no Brasil. Mas o que isso diz sobre nós?
A buzina virou desabafo. O xingamento, argumento. A pressa, desculpa para a impaciência. O trânsito — espaço que deveria ser de convivência e atenção coletiva — virou palco de disputas pessoais, onde qualquer erro alheio parece justificar reações desproporcionais. A agressividade verbal, nesse contexto, não é apenas incômoda: ela é perigosa.
Pesquisas mostram que quase metade dos condutores brasileiros admite xingar com frequência. Mais de 70% já presenciaram agressões verbais. Isso não é apenas falta de educação — é sintoma de um modelo de comportamento coletivo que normaliza o desrespeito. E, pior: muitas vezes, o revide vira a única resposta possível. Afinal, quem não grita, “perde”?
Mais do que um problema individual, trata-se de uma falha cultural e institucional. Faltam políticas públicas que enxerguem a comunicação no trânsito como uma ferramenta essencial de segurança. A linguagem agressiva muitas vezes precede acidentes, brigas físicas e até crimes de trânsito. Investir em campanhas de conscientização que tratem do tema de forma direta, sem clichês, é tão urgente quanto consertar um semáforo quebrado.
A formação de condutores também precisa evoluir. Ensinar regras de circulação não basta. É preciso incluir o diálogo, o autocontrole e a empatia como habilidades obrigatórias. Afinal, dirigir não é apenas uma prática mecânica — é, sobretudo, uma prática social. E num país com tamanha diversidade e desigualdade, a civilidade no trânsito pode ser um dos pilares da convivência urbana.
Não se trata de romantizar o convívio no trânsito. Todos nós estamos sujeitos ao estresse, ao cansaço, à irritação. Mas naturalizar a grosseria como se ela fosse inevitável é abrir mão da responsabilidade social que cada um carrega ao pegar a direção. A pressa não justifica o desrespeito. O erro do outro não autoriza a violência. E a buzina não deve ser usada como megafone do nosso mau humor.
Mais do que punições, precisamos de uma transformação cultural. Uma verdadeira reeducação emocional. Respeitar a sinalização é fundamental — mas respeitar as pessoas é ainda mais. O motorista que evita um xingamento está colaborando para um ambiente menos hostil. O pedestre que atravessa com empatia está ajudando a reduzir tensões. O ciclista que sinaliza corretamente está promovendo segurança.
Comunicação é mais do que palavras: é atitude. É escolha. E, no trânsito, cada escolha conta.
Desacelerar o verbo pode ser o primeiro passo para salvar vidas.
Presidente do MONATRAN - Movimento Nacional de Educação no Trânsito